Sobre
Hoje em dia, associamos a palavra tecnologia às chamadas tecnologias computacionais e digitais, um campo que inclui o desenvolvimento de dispositivos digitais, objetos e espaços virtuais, tecnologias da informação, Internet e inteligência artificial que rapidamente permearam diferentes domínios de nossa vida. Entretanto, a palavra "tecnologia" tem um significado mais amplo. Considerando a origem da palavra –do grego téchnē, que significa "arte, técnica ou habilidade" e do indo-europeu teks, que significa "construir"– a tecnologia pode ser entendida como o conjunto de conhecimentos, ferramentas e práticas que nos permitem desenvolver processos ou construir artefatos que modificam a relação que temos com nosso ambiente, com os outros e com nós mesmos.
Tomando essa última definição, gostaríamos usar a palavra tecnologia para nos referirmos ao conjunto de práticas e saberes que nos permitem aprofundar nossa presença em nossa própria experiência. Mais especificamente, no presente seminário, a noção de tecnologias da presença inclui, mas não se limita, a formas ancestrais de se relacionar com o ambiente e com nossos corpos; formas de treinamento psicofísico ligadas a práticas artísticas e abordagens somáticas; práticas de meditação e meditação em movimento, práticas terapêuticas que promovem a senso percepção e também metodologias de pesquisa que envolvem abordagens fenomenológicas.
Esse conjunto heterogêneo de práticas compartilha o desenvolvimento da capacidade de se tornar consciente de aspectos implícitos de nossa experiência cotidiana, especialmente da nossa relação com a nossa própria experiência corporal e com o nosso ambiente.
A apropriação desse "espaço" experiencial tem consequências importantes para a organização e a reorganização dos padrões sensório-psicomotores que participam dos processos regulatórios do nosso organismo e influenciam nossas respostas e comportamentos cotidianos. Para citar alguns exemplos, a respiração consciente influencia a regulação da frequência cardíaca e a modulação do sistema nervoso autônomo, levando nosso corpo a um estado de repouso; uma maior consciência das sensações internas do corpo participa dos processos de autorregulação emocional, expandindo os recursos disponíveis para responder a situações desafiadoras. O mais importante é que, por meio da consciência corporal, podemos superar o que Thomas Hanna chama de "amnésia sensório-motora", que, no contexto deste seminário, também poderíamos chamar de "ausência" sensório-motora. Essa expressão refere-se a um estado de condicionamento resultante de situações estressantes contínuas. As regiões "ausentes" não podem ser sentidas ou controladas, de modo que perdemos parte do repertório de respostas possíveis a uma determinada situação, restringindo a possibilidade de decidir como reagir. Ao prestarmos atenção a essas regiões "ausentes", podemos gradualmente recuperar habilidades, possibilitando a expansão de nossa gama de resposta.
Parafraseando as palavras de Elizabeth Behnke, tornar sua própria experiência presente é uma forma de responsabilizar-se por ela.
Isso parece particularmente relevante nos tempos atuais. Como sociedades, enfrentamos uma série de desafios globais: uma crise climática e ambiental sem precedentes, guerras, crises humanitárias, crise energética, entre outras crises globais, que geram um contexto estressante e intimidador que ameaçam os aspectos mais básicos da vida. Além disso, nosso modo de vida, cada vez mais mediado por tecnologias computacionais e digitais, muitas vezes gera um estado de ausência e desconexão, impactando nossas habilidades motoras, afetivas, emocionais, regulatórias e cognitivas. Reconhecendo os múltiplos benefícios que esses desenvolvimentos tecnológicos podem trazer e o quão atraente pode ser a criação de mundos virtuais por meio da inteligência artificial, parece ser de grande importância equilibrar esses avanços, incentivando e promovendo práticas e saberes que se conectem com nossa experiência corporal, de modo a permitir que nossa "inteligência natural" também se torne presente e se manifeste.
Eixos temáticos
Noção de presença
O que o estado de presença implica em termos fisiológicos, experienciais, atencionais e/ou afetivos? O que esse estado nos ensina sobre a relação mente-corpo? Quais são as suas implicações em contextos terapêuticos, criativos, educacionais, socioculturais e/ou de investigação?
Práticas que cultivam a presença
Quais as possíveis vias de acesso ao estado de presença? Como funcionam esses caminhos? O que sabemos sobre os mecanismos que promovem a presença? Que desafios ou riscos podemos enfrentar ao trabalhar com presença? em termos de nos tornarmos presentes a um corpo e uma mente muitas vezes inquietos?
Questões epistemológicas
As tecnologias de presença nos convidam a considerar que podemos encontrar uma fonte de conhecimento ao tomarmos consciência de nossa experiência sensorial/sensível e de nossa corporalidade. O que isso pode significar para as abordagens científicas tradicionais? Podem as tecnologias de presença fornecer-nos ideias sobre quadros epistemológicos alternativos ou complementares para a geração de conhecimento?
Presença em tempos
de ausência
Qual é o impacto que essas práticas podem ter sobre o estado biopsicossocial dos indivíduos? Como essas tecnologias podem contribuir para abordar alguns dos desafios atuais que enfrentamos como sociedades?
Convidados
Fundadora e professora emérita do Programa de Aconselhamento Somático da Universidade de Naropa, onde lecionou aconselhamento somático, neurociência clínica, pesquisa e questões de diversidade. Seu trabalho, denominado Ciclo de Movimento, concentra-se na brincadeira natural, na impressão física precoce, nos processos de movimento totalmente sequenciados, nas oportunidades de dependência e na confiança no conhecimento oficial do corpo. Ela lecionou na Universidade de Maryland, George Washington, Concordia, Universidade Feminina de Seul, Southwestern College e Pacifica, e treina, ensina e dá palestras internacionalmente. Ele publicou mais de 30 artigos e capítulos, e seus livros incluem Getting Our Bodies Back, Getting In Touch, The Body and Oppression e Bodyfulness.
Christine Caldwell
Professor Emérito de Antropologia Social na Universidade de Aberdeen. Ele realizou trabalho de campo entre os povos Saami e Finlandês da Lapônia e escreveu sobre meio ambiente, tecnologia e organização social no Norte Circumpolar, sobre animais na sociedade humana e sobre ecologia humana e teoria da evolução. Seu trabalho mais recente explora a percepção ambiental e a prática qualificada. Os interesses atuais de Ingold centram-se na interface entre antropologia, arqueologia, arte e arquitetura. Seus livros mais recentes incluem The Perception of the Environment (2000), Lines (2007), Being Alive (2011), Making (2013), The Life of Lines (2015), Anthropology and/as Education (2018), Anthropology: Why it Matters (2018), Correspondences (2020), Imagining for Real (2022) e The Rise and Fall of Generation Now (2023). Ingold é membro da British Academy e da Royal Society of Edinburgh. Em 2022 foi nomeado CBE para serviços de antropologia.
Tim Ingold
Psicóloga e Dança-Movimento Terapeuta, BC-DMT, Diretora do Instituto de Pesquisa para Terapias de Artes Criativas (RIArT) da Universidade Alanus de Artes e Ciências Sociais, Bonn; e professor do Programa de Mestrado Dance Movement Therapy DMT da SRH University Heidelberg, Alemanha; professor honorário da Universidade de Melbourne, Austrália. Pesquisa sobre cognição incorporada, pesquisa baseada em evidências em terapias artísticas criativas (CAT), fatores terapêuticos de CAT, Perfil do Movimento Kestenberg. Editor-chefe do Journal of Arts Therapies (JAT, GMS Open Access Online Journal for CATs), membro do International Research Alliance/NYU Creative Arts Therapies Consortium.
Sabine C. Koch
Artista e pesquisadora do corpo e do movimento, atuando há 40 anos no contexto da dança contemporânea brasileira. É educadora somática pelo Body-Mind Centering(tm), Mestre em Teatro pela Uni-Rio, Doutora em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela Puc-Rio. É Docente no curso de Artes Cênicas da PUC-Rio e do Instituto de Artes da UERJ. Desde 1997 dirige sua companhia , com a qual realizou dezenas de produções artísticas. Publicou os livros “Gesto: Práticas e Discursos” e “Corpo, política e discurso na dança de Lia Rodrigues”. Colabora em diversos projetos de dança, teatro, performance e artes visuais, realiza palestras e workshops por todo o país e escreve artigos para publicações especializadas em corpo, arte e educação.
Dani Lima
Bas'Ilele Malomalo
Docente da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB). Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquista/UNESP (2010), é docente de graduação nos cursos das Relações Internacionais, Ciências sociais, Mestrado Interdisciplinar em Humanidades (MIH) do Instituto de Humanidades e Letras (IHL) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), docente colaborador no Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Cidadania (PPPSC) da Universidade Católica de Salvador (UCSAL), coordenador do Grupo de Pesquisa África-Brasil: Produção de conhecimentos, sociedade civil, desenvolvimento e cidadania global, pesquisador associado do Centro dos Estudos das Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN-UNESP); INTERSSAN/UNESP; da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, Pesquisador e membro do Comitê Internacional da Cadeira da Unesco Educação Transformadora, Democracia e Cidadania Mundial, da UQO, Canadá e expert da plataforma Harmony With Nature/ONU.
Professora emérita de Filosofia do Instituto Mines-Télécom e membro do Arquivo Husserl da École Normale Supérieure de Paris. A sua investigação centra-se na dinâmica da experiência vivida, que muitas vezes passa despercebida, e nos métodos "microfenomenológicos" que nos permitem tomar consciência dela e evidenciar as suas estruturas essenciais. Estuda as condições epistemológicas desses métodos, bem como suas aplicações educativas, terapêuticas, artísticas, ecológicas e contemplativas.
Claire Petitmengin
Artista e antropóloga da aldeia Serra do Padeiro, localizada na Terra Indígena Tupinambá de Olivença, sul da Bahia. Participa intensamente da vida política e religiosa dos Tupinambá, envolvendo-se sobretudo em questões relacionadas à educação, à organização produtiva da aldeia, aos serviços sociais e aos direitos das mulheres.
Foi professora da Escola Estadual Indígena Tupinambá, na Serra do Padeiro. É formada em Interculturalidade Indígena pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) e atualmente cursa mestrado em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi presidente da Associação dos Índios Tupinambá da Serra do Padeiro, e foi responsável pela aprovação e gestão de projetos voltados ao fortalecimento da aldeia.
Glicéria Tupinambá
Marieke
van Vugt
Professora associada do Instituto Bernoulli de Matemática, Ciência da Computação e Inteligência Artificial da Universidade de Groningen. Sua pesquisa busca entender como, quando e por que divagamos mentalmente. Ele também fica fascinado pela forma como esse processo de divagação mental é adaptativo – como no caso da criatividade – e quando se torna desadaptativo, como no caso da ruminação depressiva. Ele usa uma abordagem multimodal que combina modelos computacionais, EEG craniano e intracraniano, estudos comportamentais e rastreamento ocular. Além disso, ela está interessada em saber como a prática da meditação afeta nosso sistema cognitivo e pesquisa a meditação tanto em praticantes ocidentais quanto em monges tibetanos. Ela foi membro da Groningen Young Academy entre 2017 e 2022. Além de sua carreira acadêmica, ela é budista tibetana praticante desde 1998 e bailarina clássica semiprofissional. Gosta muito de projetos em que a ciência, a arte e a contemplação se unam.
Programação
As inscrições serão abertas um mês antes de cada seminário
7 de maio
Digitalização e o trabalho com os dedos
Tim Ingold
4 de junho
Presença celular
Dani Lima
2 de julho
Movimento consciente
Christine Caldwell
6 de agosto
Glicéria Tupinambá
3 de setembro
Tempo e Kitembo para a emancipação
Bas'Ilele Malomalo
01 de outubro
Capoeira e Terapia Dança Movimento: Prática e Presença
Sabine Koch
5 de novembro
Ancorar-se na experiência vivida como um ato de resistência
Claire Petitmengin
2 de dezembro
Colaborando com monges budistas tibetanos para compreender a meditação analítica
Marieke van Vugt
Comitê Organizador
Pesquisadora independente, doutora em Ciências Cognitivas pela Université Pièrre et Marie Curie (Paris), dançarina, professora de yoga e educadora somática. Atualmente faz pós-doutorado na NEPSIS (UNIFESP) com bolsa CAPES PRINT, dirige A MATHA, Escola de Fenomenologia Corporal em Arraial d'Ajuda (Brasil) e desenvolve o projeto Abordagem multidimensional da presença: um procedimento de pesquisa baseado na arte para o estudo da experiência que inclui o uso de práticas somáticas e expressivas. Sua pesquisa se concentra no estudo da experiência e da consciência corporal.
Camila Valenzuela
Moguillansky
A MATHA / NEPSIS-UNIFESP
Vice-coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias (NEPSIS) e pesquisadora no Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Foi Pesquisadora Visitante no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Oxford, onde avaliou a implementação da mindfulness nas escolas do Reino Unido. Com experiência em mindfulness, comunicação não-violenta e outras práticas contemplativas, ela é autora do programa FO-CO, que recebeu um prêmio internacional do Mind and Life Europe.
Emérita Sátiro Opaleye
NEPSIS-UNIFESP
Pós-graduando do Departamento de Estudos Humanísticos do Tecnológico de Monterrey, Campus Monterrey, no México. Em sua pesquisa aplica conceitos e ferramentas da ciência cognitiva ao estudo da arte e da experiência estética. Especificamente, centra-se na experiência de conexão entre bailarinos na improvisação de contato, um estilo de dança pós-moderna, através de entrevistas microfenomenológicas e análise de correlatos comportamentais e fisiológicos da experiência. É também professor de contato improvisação e intérprete de artes móveis.
Esteban Fredin
Tecnológico de Monterrey
Lilian Urbini
NEPSIS-UNIFESP
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Mestra em Neuroengenharia pelo Instituto Santos Dumont (ISD). Doutoranda pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) com estudo nos campos de Mindfulness e Neurofenomenologia. Possui formação profissional em Mindfulness (MBRP – Instituto Plenativamente de Promoção à Saúde) e Compaixão (MBCL – Mindfulness-Based Compassionate Living) e está realizando Certificação em Metodologia Micro-fenomenológica (Laboratório de Fenomenologia Corporal em conjunto com a Sociedade Internacional de Micro-fenomenologia).